quarta-feira, 29 de outubro de 2008

epsis verbis

«À medida que o comboio me aproxima de casa afasta-me um pouco mais de ti. Palmo a palmo, metro a metro, é quase imperceptível mas vais-te afastando, até me perguntar se alguma vez chegaste a existir. Ainda é Verão. O calor corre-me a pele, os cabelos, enrola-se nos dedos, é um abraço indesejado e impossível de quebrar. Vou baloiçando os olhos entre o livro que tento ler e a paisagem que quase não consigo ver. Num lento desfilar de passagens de nível e apeadeiros perdidos num mundo desconhecido, acompanho o círculo do sol desde a madrugada nascida sobre rochas e mar, passando por planícies gastas e secas que se renderam depois em árvores espessas de vida e, finalmente, em paisagens escarpadas de progresso e civilidade, esse mundo incaracterístico do dia a dia.

Voltar a casa. Há uns dias atrás essa ideia parecia-me longínqua, quase absurda. Agora torna-se demasiado real, na verdade, assustadora. Quanto tempo foi? (...)Contudo o tempo brinca com o nosso sentir, ora correndo, ora caminhando, tornando dias em minutos, e segundos numa vida inteira.

A saudade começou antes da viagem. (...) do sol, da promessa mas, acima de tudo, saudades tuas, ao mesmo tempo tão perto e tão longe. Fecho os olhos e sinto o sal da manhã, num vagaroso vai e vem de espuma. (...) Nesses momentos a eternidade foi nossa, nesses breves instantes, nesse universo inteiro.

(...)

Lembro-me perfeitamente. O teu olhar, as tuas palavras, o teu cheiro. Enfim, tudo.»

Sem comentários: