sábado, 24 de janeiro de 2009

Carta para o Mar



Mar,
escrevo-te porque hoje senti-te.

As tuas ondas sorriram-me , embora se fossem tão depressa como vinham. Voltei a ver o barquinho à deriva, que tantas vezes foi meu coração. Eu sempre achei, embora muitas vezes o tivesse duvidado, que o nevoeiro passaria, e que eu voltaria a ver os remos a conduzirem o barco por caminhos incertos, tão longe e tão perto. Sempre foi essa força que me dás, que esse velho do mar me mostrou.
No tempo em que te tornaste invisível para mim, acreditei em ti e fiz tudo o que prometi fazer: assegurar-me-ia de que tinha o velho do mar ao alcance dos meus olhos.

Os dias brilhavam, tal como o meu olhar. Ouvia-se o cantar dos pássaros da minha alma e o balançar do barco em maré alta embalava-me num conforto de um anjo que eu sabia que existia.
Mas sempre que os Invernos rompiam dia e noite, uma tempestade se aproximava e a força que o velho fazia para manter o barco seguro, tornou-se instável, frágil, prestes a quebrar-se e afogar-se no seu próprio espiríto. Mas nunca choveu.

O velho do mar sobreviveu ao rugir da trovoada e à falta do calor humano. Poderia ter morrido gelado, de tão pálido e inerte que estava. - E garanto-te mar, que se algum dia vier a morrer de desgosto, foi porque esse velho do mar se deixou partir. - Mas não, ele aguentou. A persistência sempre foi uma característica da sua atitude perante a vida.

Contudo, o barco estava cada vez mais frágil. As nuvens decidiram beijar o velho e o seu barco de madeira com um remo - o outro perdera-se no meio da tempestade. Deixei de o ver. Deixei de acreditar que sobreviveria e de que eu cumpriria a minha promessa. Entretanto, mar tu voltaste, e eu mergulhei em ti. Abracei-te com a dor que carregava, e mostrei-me fraca como decidi não ser. Tenho sido sempre forte, e tinha fé. Mas o nevoeiro deixou-me na incógnita, e não aguentei o ardor que sentia no coração. Foi então que choveu. Choveu e, apesar de as leis da gramática considerarem ridículo, eu chovi. Mas tal como a chuva lava as estradas, as casas, os carros, também tudo o que choveu do meu espírito lavou a minha alma.

O nevoeiro desapareceu, e lá estava o velho do mar a comer um peixe que uma gaivota lhe trouxe. As nuvens ainda são negras, mas, a pouco e pouco, vão deixando o sol sorrir-me.

E hoje, senti-te outra vez.

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