terça-feira, 13 de maio de 2008

Avó Catarina

Querida (bis)avó,

Hoje sonhei. E tive o pior sonho de sempre.
Sonhei que tu, com a tua quase centena de anos, morrias.
Eu levava-te a casa, até te dei um beijinho quando já estavas na cama e fui-me sentar na sala. Como se tivesse hoje a responsabilidade de tratar de ti, para não fazeres disparate como tens andado a fazer. Eu sei que a culpa não é tua, óbvio que sei. Adiante... Sonhei que reparava mais uma vez nos teus olhos azuis, os únicos da família, e que reparava na força que tens.
Lembrava de todas as vezes que a minha mãe me disse: "é a mulher mais forte". E não era forte de força fisíca, era forte de ter sobrevivido a certas situações sem se queixar uma única vez. És um exemplo de vida, que eu tento seguir independentemente de tudo. Embora não saibas, eu esforço-me para ter um décimo da força que tu tens, no que conta ao que faço na nossa família.
Lembro-me das tuas poucas palavras a dar-me força e a dizer para eu não ir por maus caminhos.
Lembro-me de quando pensavamos que era desta que partirias. Aqueles meses de tortura em que fim-de-semana sim, fim-de-semana não, íamos ao Alentejo para ver se melhoravas, lembro-me dos telefonemas que ouvia para saber como estavas. Lembro-me do quão doente tu estavas, e da pouca esperança que todos tinham. Eu não sabia o que pensar, mas algo me dizia que não era naquele ano que nos deixarias. E tu, com essa tua força, mostraste-nos que tudo é possível.
Depois dessa doença, ficaste com uma saúde de ferro. Até os médicos invejam (pelo menos é o que dizem).
Mas agora estás naquela idade em que os adultos voltam a ser crianças, bebés. Isso não me faz ter menos respeito e valor por ti, mas tenho pena que pareça estar tão perto. És a mais velha da aldeia, e sei que não te terei para sempre.
Vó, hoje tive o pior sonho da minha vida. Senti como se tivesse adormecido na sala em que vês as telenovelas, na tua cadeira. Naquela cadeira em que todos se querem sentar quando entram naquela minúscula parte da casa. Todos, sem excepção querem sentar-se na cadeira da avó, da tia, da bisavó, da mãe... De todas essas pessoas que és tu. Porquê? Talvez seja confortável, talvez seja uma forma de lembrar que estás connosco, mesmo só te vendo à hora do jantar, porque passas o dia todo no centro de dia da aldeia. Talvez seja porque nos sentimos seguros, talvez seja porque é a TUA cadeira.
E após ter acordado nessa sala, a família estava com ar sério a olhar para mim.

"A avó morreu, Margarida", disseram, "Morreu enquanto dormia"

Lembro-me de vê-la um pouco pálida, sem expressão.
Parecia ter uma cara triste, por ter morrido sem ter ninguém ao lado.
E acordei, vó. Só quando me olhei ao espelho e lavei a cara, é que percebi que era um pesadelo. Só quando olhei para os meus olhos vermelhos é que percebi que não era a realidade. Mas pensei nisto tudo. Pensei em como tu estavas, e em como a qualquer momento tudo podia mudar.
E por isso, não pude conter as lágrimas, quando pensei que conseguiria esquecer este sonho durante o dia. Só me lembrei dele e nem consegui esconder de ninguém o que sentia.

Disseram que era só um sonho, para eu não ficar assim. E era só um sonho, mas não foi só um sonho. Foi o pior sonho de toda a minha vida.
E pior do que ser sonho, foi ser tão real...

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