sábado, 19 de março de 2011

Ela desapareceu

Absent, de Henrique Frazão

Ela desapareceu. 
Não se sabe para onde foi, ou sequer porque se foi. Eles perguntam uns aos outros, como se alguém alguma vez pudesse ter a resposta. E magicam teorias, como que deslindando um caso de invulgar desaparecimento. Todos falam, todos pensam ouvir quem diga que ela anda por aí. Todos se entre olham cada vez que alguém arrisca a falar no seu nome. Falam em arrogância e em desprezo. Dizem já que ela fugiu, que largou tudo e partiu porque se fartou, porque nunca quis saber deles, na verdade. E uma espécie de raiva nasce dentro de quem fala assim. "Ela está parva", gritam a quem lhes pergunta por ela. Outros dizem que desistiu de tentar. Há quem fale em manipulação, que ela se entregou a quem quis roubá-la. E que ela se deixou roubar. E que eles estavam lá antes. E que ela é uma ingrata. E que eles, quando ela voltar, lhe vão cuspir as palavras na cara e virar costas. Porque é o que ela merece. 

Há quem fale ainda em fraqueza de espírito, há quem diga que ela anda perdida e à espera que a encontrem. São poucos os que ainda a procuram, muitos ainda os que falam como se soubessem. Inventam os seus segredos, na expectativa de acertarem. Dizem que o mundo está cheio de problemas e que medíocres são os que desaparecem assim, como ela. E que vergonha deixar-se arrastar assim pelos outros, que embaraço de ser em que ela se tornou. Submissa, fugidia.

Todos olham, então, o baloiço onde ela fora criança, onde se ouvira gargalhadas intermináveis de uma vida despreocupada e feliz. Dizem que o seu mal foi amar de mais, e que essa foi a sua perdição. Ou que ela se cansou de não ter um lar em casa. Que ela sofreu demais por quem cuidou demais. Dizem que perdeu o brilho do olhar e que dificilmente irá voltar.

É então que alguém se atreve a aproximar-se do baloiço. Ela está lá. Em letras formando palavras. Com sentimentos em manuscrito. Enquanto todos falavam, ela calada escrevia. Todas as respostas às suas inúmeras perguntas, traduzidas em poucas palavras:

Ela precisava de fugir do mundo, para se encontrar a si própria.
E não o conseguiria com todos a definirem quem ela é.


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