quarta-feira, 14 de setembro de 2011

pensamentos soltos numa rua adormecida.

são dez da noite. saio de casa para passear as cadelas. levo uma de cada vez e demoro-me, com cada uma, cerca de dez minutos. quando estou em casa nunca apetece. nunca há vontade de ir para o frio da noite passear dois bichos que só sabem puxar a trela (muito por não estarem habituadas) e em caso de assalto ou agressão não me servem de grande protecção devido à sua pequenez. sempre gostei de cães grandes, dão-me outra segurança. mas adoro as minhas pequenas. quem tem animais sabe o que é quando digo que são como filhos. é um amor incondicional. não vale a pena alguém fazer-me escolher entre seja quem for e as minhas duas cadelas. é certo e sabido que vou escolher as cadelas, tenha a pessoa a importância que tiver. até porque se essa pessoa gostasse mesmo de mim, tinha que aturar a bagagem que trago.

são dez e cinco da noite. parece que a rua está adormecida. um vizinho regressa a casa do passeio com a sua cadela para ir ver a continuação do jogo de futebol. do outro lado da rua, há mais movimento. um casal despede-se da família, com palavras inaudíveis, dois beijos na cara e um aceno. saem de uma casa onde já chorei. não que isso seja algo raro, odeio este defeito em mim de verter lágrimas facilmente. nunca me senti tão vulnerável e tão fraca. tão quebradiça. não me sinto digna de todas as vezes que me viram como uma "mulher forte e corajosa", "com força interior". sinto que tudo isso se foi abaixo. alguém tocou no meu calcanhar de aquiles e agora é difícil recuperar o furacão que tinha dentro de mim.

são dez e dez da noite. nem sei porque me chateio tanto em vir passear as cadelas. eu gosto de passear. gosto do silêncio da noite e da rua a adormecer. gosto do espaço que os meus pensamentos ganham. gosto da fuga à minha própria casa. é tempo para mim, tempo para respirar, tempo para estar sozinha. é tempo que me esqueço que é bom. que me faz bem e me tranquiliza.

são dez e um quarto da noite. cruzo-me com um velhote com a sua cadela. já o conheço há uns anos por ter adoptado uma cadela que nós, os miúdos que se juntavam à noite na rua para conversar e brincar, tratámos durante umas semanas. com o cigarro na boca e as duas mãos a segurar na trela diz-me 'boa noite'. retribuo e dou uma festa à cadela que se põe a jeito de brincar com a minha. mas a minha é muito mariquinhas e, apesar de provocar, foge logo. regresso a casa, a minha cadela não pára de farejar qual cão polícia. apetece-me saborear a rua adormecida por mais uns momentos.

são dez e vinte da noite. tal como quando saí, a rua permanece silenciosa, sem os carros como barulho de fundo. é calmo. é bom. e dá-me paz.

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